Por Ir. Thiago Cristino, FMI
Estudante de Teologia
De acordo com a Sacrosanctum Concilium (SC), nn. 10, 24, 35 e 52 a Palavra de Deus tem lugar reservado na Liturgia católica, cume e ápice de toda ação da Igreja. Deus está presente também na sua Palavra comunicada a nós ao longo dos tempos, cuja plenitude, dá-se na encarnação do Verbo feito homem, nascido de mulher[1]. Por meio de sua Palavra, Deus dá-se a conhecer a Si mesmo à humanidade e entra em comunhão com ela.
Não obstante, frequentemente é possível ouvir homilias feitas de forma, senão errôneas, no mínimo equivocadas por parte de alguns homiliastas. Por isso, “quanto mais preparado estiver o que exerce o ministério em favor da comunidade, tanto mais será permitida a presença santificadora do Espírito Santo de Deus”[2]. Para isso uma reciclagem faz-se necessária em nível bíblico, teológico, espiritual, vivencial e técnica, bem como uma renovação da linguagem da liturgia[3].
A palavra comunicação em latim tem como verbetes mais usados: comunicatio, comunicare, communio e todos tem um mesmo fim, isto é, ‘pôr em comum, partilhar, comunhão’. A comunicação expressa a singularidade e a riqueza do homem e da mulher. É, portanto, Dom de Deus, “Uno e Trino, exemplo de comunhão plena, fruto da comunicação perfeita que se dá entro o Pai, o Filho e o Espírito Santo, comunidade de amor” [4].
Neste sentido a homilia pretende ser uma ‘extensão’ da Palavra de Deus, ou seja, a Palavra de Deus precisa ser comunicada de tal forma que não perca sua força e originalidade. Tal ônus é confiado, primeiramente, aos ministros ordenados[5] e não deve ser omitida, pois faz parte do conjunto harmonioso que é toda a celebração e como tal não deve ser dividida em parte como se fosse uma mais importante que a outra.
Por homilia podemos entender, uma conversa familiar (daqui advém a importância de ser pronunciada pelo pastor, pois ele conhece a necessidade do seu rebanho) que penetra o coração de quem ouve, abre os olhos e inquieta todo aquele que pertence a Jesus Cristo, em vista de uma prática pessoal que é refletida no seio da comunidade, dando testemunho de reino de Deus e sua justiça[6].
A homilia serve para “encorajar, animar, exortar e consolar” (At 13, 14-42) e não tanto para dar lições de moral ou ensino sistematizado numa área da Teologia, por exemplo. Urge que os ministros encontrem o tom certo para que a conversa familiar seja fecunda, pois ainda os sacramentos tenham sua força própria (ex opere operato), a abundância da Graça depende em medida não desprezível da qualidade comunicadora do ministro.
Frei Beckhäuser[7] reflete sobre sete características fundamentais da homilia.
a) O caráter memorial: “é o momento do confronto entre a Palavra proclamada, no contexto do mistério celebrado e a vida do Cristão”[8];
b) O caráter contemplativo orante: deve atingir o coração dos fiéis e levá-los ao encontro pessoal com o mistério que se celebra (DAp. nn. 226; 249; 319);
c) O caráter eucarístico: deve estar ligada à Eucaristia (enquanto ação de graças). É momento de dar graças a Deus pela Libertação (Salvação) de Deus na vida do seu povo e na história;
d) O caráter pascal: deve ter como referência o maior mistério da fé Cristã: a Páscoa de Cristo, por meio da qual fomos Salvos. Na Páscoa de Cristo, se dá a nossa páscoa (membros de Cristo);
e) O caráter narrativo: deve-se diferenciar da catequese, propriamente dita, não havendo necessidade de expor ou defender verdades relacionadas à fé. Assim, a narração (da ceia) deve visar a celebração dos mistérios de Cristo;
f) O caráter trinitário: “Liturgia é opus Trinitatis (obra da Trindade), isto é, o Pai revela o Filho que envia o Espírito. O Espírito faz conhecer melhor o Filho (Verdade, Vida e Caminho) que conduz ao Pai. A ação do Deus-Trino deve ser exemplo e ânimo para aquele que celebram a Ceia Eucarística na busca por ligar fé e vida, a fim de que a realidade seja transformada na unidade.
Assim, temos na homilia a comunicação da Salvação revelada a nós. É um momento no qual adentramos de maneira mais profunda nos mistérios da nossa Salvação em Cristo Jesus , Nosso Senhor, o que não significa dizer que a homilia não tenha uma finalidade catequética, como afirma o Papa Bento XVI no nº 46 da Exortação Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis. Haja vista que “os que se reúnem para participar da ceia do Senhor vêm porque já creem no Cristo, já foram iniciados na vida cristã pela catequese”[9].
O mistério que celebramos, segundo Ione Buyst no livro Homilia; partilha da Palavra, trata-se da “Pessoa de Jesus Cristo, sua missão, sua vida, morte-ressurreição, o derramamento do Espírito, a vinda gloriosa no fim dos tempos, Reino de Deus, nossa comunhão com o Pai, por Cristo com Cristo e em Cristo no Espírito”[10].
Bibliografias
BECKHÄUSER, Alberto. Comunicação homilética. In: Comunicação litúrgica; presidência , homilia, meios eletrônicos. Petrópolis: Vozes, 2003. pp. 35-84.
BUYST, Ione. Homilia; partilha da Palavra. São Paulo: Paulinas, 2001.
Concílio Vaticano II – Sacrosanctum Concilium - SC
CNBB. Comunicação pela homilia. Projeto Nacional de Evangelização “Queremos ver Jesus: caminho, verdade e vida”, Brasília: Edições CNBB, 2007, nº 41.
Exortação Pós- Sinodal - Sacramentum Caritatis - SC
V CEALM – Documento de Aparecida – DAp.