segunda-feira, 22 de março de 2010

Iniciação à Vida Cristã: um processo de inspiração catecumenal



 Capítulo II - O que temos em vista quando falamos em Iniciação à Vida Cristã. Brasília: Edições CNBB. 2009.

Por Irmão Thiago Cristino, FMI

2.1. Jesus Cristo, mistério de Deus
35. Diante da sede do homem pelo mistério e busca de Deus, Jesus Cristo é a resposta. Ele é ‘caminho, verdade e vida’ (Jo 14,6) para o qual tende toda a nossa vida.
36. Com Jesus se faz presente o Reino de Deus, que só é compreendido ao nos aprofundar na realidade do Jesus histórico e em sua prática. Ao revelar o seu grande amor por nós e o projeto salvífico do Pai, Jesus dá à sua Igreja a base para o seu ministério e a faz lugar de participação na vida nova que Ele nos veio trazer.

2.2. O mistério está no centro da fé
37. O Reino de Deus é mistério. Comprometer-se com este mistério e participar dele exige de nós uma conversão e nos dá o nome de cristão. O conceito de mistério aparece pouco no Primeiro Testamento (presente nas religiões pagãs), mas é muito difundido por São Paulo (é a presença do Reino de Deus presente com Jesus).
38. Mergulhar no mistério de Deus e da vida significa ouvir a voz da Palavra (Revelação oral), ver o rosto da Palavra (Jesus Cristo), entrar na casa da Palavra (Igreja) e percorrer os caminhos da Palavra ( Missão).
39. O termo mystérion é fundamental no Segundo Testamento Foi usado para manifestar o desígnio divino de salvação, na pessoa de Jesus Cristo na sua paixão, morte e ressurreição.

2.3. Iniciação: mergulho pessoal no mistério
40. O mistério carrega algo de espantoso, divino, algo inacessível a um simples mortal. Todavia a tal mistério não se tem acesso através da teoria, mas através da iniciação da pessoa nas experiências que a marcam profundamente e a levam ao encontro do mistério, Jesus.
41. A Iniciação Cristã vai além de uma realidade humana e arraigada nas culturas. Ele é algo mais profundo: para participar do mistério de Cristo Jesus é preciso passar por uma experiência impactante de transformação pessoal e deixar-se envolver pela ação do Espírito.  No tempo dos discípulos de Jesus o processo de transmissão da fé tornou-se iniciático em sua metodologia. Portanto, a conversão ou metanoia (mudança de mentalidade) supõe certa maturidade humana.
42. Existe, porém uma tensão entre o aspecto de segredo dentro do mistério. Por segredo entendemos algo que deve ficar em sigilo, velado. Todavia, a missão da Igreja visa proclamar e fazer experimentar o mistério, não escondê-lo. Mas também não se pode banalizar o sagrado como se estivéssemos transmitindo algo que não tivesse conseqüências, isto é, uma mudança de comportamento, por exemplo. O querigma (primeiro anúncio) é para todos, mas os mistérios, isto é, (sacramentos) são para aqueles que foram iniciados na fé. 

2.4. Catecumenato: um caminho antigo e eficiente
43. Desde o início da história do Cristianismo, o catecúmeno/catequizando é “aquele que deve ser iniciado na fé (da Igreja)”.
44. Iniciação Cristã refere-se às etapas consideradas indispensáveis para mergulhar no Mistério Pascal de Cristo (mistagogia: conduz ao mistério) e começar a fazer parte efetiva da comunidade eclesial; é um processo profundo que integra a pessoa a um outro estilo de vida. Tal mistério era primeiramente experimentado para depois ser explicado. Neste sentido o rito marca mais profundamente do que uma simples instrução e interioriza o que foi celebrado realçando a dimensão do compromisso.

2.5. A iniciação como dado antropológico
45.  Urge resgatar a necessidade antropológica dos processos iniciáticos, haja vista que ao longo dos séculos a perdemos de vista o seu real sentido e importância, enquanto discernimento para uma escolha que possa orientar a nossa vida.
46. A despeito etimológico da palavra INICIAÇÃO, temos: initio (início), in-inter (itinerário, percurso, caminho). Assim, consideramos que INICIAÇÃO tem o objetivo de ‘colocar no caminho’, haja vista que o ‘caminho se faz caminhando’. Ou: in-ire (ir bem para dentro, no sentido de aprofundar-se). A INICIAÇÃO é o processo (educativo) de natureza ritual (pois existem ‘pré-requisitos’ ou passos a serem dados durante as várias etapas que compõem o caminho) que efetiva e marca a promoção do indivíduo a novas posições sociais ou acesso a outras determinadas funções religiosas e políticas. Em outras palavras, é um tempo de aproximação e imersão em um novo jeito de ser; sinaliza uma mudança de vida, de comportamento, com a inserção num novo grupo.
47. Os ritos de passagem estão mais presentes na vida das pessoas quando se trata dos vários processos de iniciação: casamento, vestibular-faculdade, aniversário de 15 anos, morte, etc... A necessidade de ritualizar as novas etapas da vida é fato, inclusive para aqueles que não têm religião. O fato simplesmente de ‘oficializar’ – com um rito diluído em formas mais modernas ‘sui generis’ – uma nova etapa da vida, já se classifica na nossa afirmação.
48. A iniciação do ponto de vista filosófico equivale a uma mutação ontológica existencial, pois afeta diretamente na natureza (essência) do homem. Ao final do período de provas (formação) o neófito (novato/neoprofesso) goza de uma existência totalmente diferente, transforma-se noutra pessoa.

2.6. Revalorizar hoje esse caminho
49. É mister aprofundar o conceito de uma nova iniciação que forme cristãos que estejam realmente interessados em assumir o projeto do Reino.
50. Identificar formas de catequese que estejam verdadeiramente a serviço da iniciação cristã.

2.7. A importância e o lugar dos sacramentos
52. O sacramento é a tradução latina para a palavra grega mystérion. Tal palavra na Bíblia e no cristianismo nascente tinha um sentido bem mais amplo: ações salvadoras de Deus. O mistério entendido hoje é uma ação sagrada na qual o ato salvífico se faz presente no rito. Assim tudo o que a Igreja realiza é mistério.
53. É nos sacramentos, que a liturgia torna presente para cada crente a obra de salvação realizada de uma vez por todas em Jesus Cristo. 
54. Os sinais e símbolos[1] são importantes na concepção de mistério porque ao mesmo tempo em que revela, escondem a realidade divina que querem comunicar. Por isso é que o coroamento do processo iniciático tem seu coroamento na catequese mistagógica.

2.8. Mas identificamos um problema nesse processo
55. Com a catequese sacramentalista os sacramentos viraram uma espécie de costume, de devoção, de despedida da Igreja em detrimento do compromisso de fé que eles sinalizam e exigem. É fato que o processo catequético desemboca na celebração dos sacramentos.
56. Nosso desafio é abandonar a visão meramente sacramentalista – o que a empobrece – e despertar para uma consciência missionária em que a fé assumida seja refletida no compromisso eclesial com o Reino de Deus e sua justiça e auto-sustentado pelos sacramentos, fonte que revigora a alma e lança para frente.  
57. A catequese deve levar ao sacramento, mas que não seja um ponto de chegada, senão um prosseguimento no caminho.

2.9. Uma iniciação que leve a uma real participação
58. Nossa cultura atual há uma grande demanda de transcendência, de uma certa religiosidade difusa, que busca um contato meio às cegas com o sagrado. Ao considera este fato afirmamos que a iniciação cristã tem um caminho oposto a este tipo de ‘mercado religioso’.
59. A restauração do catecumenato[2] quer retomar a dimensão mística, celebrativa da catequese, haja vista que o mais importante é levar as pessoas a uma autêntica experiência cristã na integridade das suas dimensões.
60.  Cristãos de qualidade e não em quantidade é o que devemos ter em mente. Num processo que conclama ao compromisso com o Reino o que conseqüentemente nos conduz à conversão ‘rasgar o coração e não as vestes’[3] e a assumir o mistério pascal de Cristo: morrer para o pecado, ressurgir para uma vida nova, com a finalidade de amadurecer a fé.
61. A função maior da catequese (catecumenato) no início do cristianismo era a de inserir a pessoa na Vida de Cristo: “nos grandes mistérios revelados por Cristo, sentindo o amor do Pai e transmitindo, com a ajuda do Espírito Santo, o amor serviçal aos irmãos como o fez Jesus. Assim, o iniciante vai experimentar a fé nos gestos salvíficos, nas palavras de Cristo, vividos e comunicados pela Igreja através do testemunho, da Palavra, dos Sacramentos na espera da Vida Plena em Deus (escatologia)”.

2.10. Natureza da iniciação cristã
62. Sua natureza é essencialmente divina pois é Revelada pelo Pai, no Filho, pelo Espírito, diferentemente dos ritos mistéricos pagãos. Pois a auto-comunicação de Deus nos convida a participarmos de sua natureza divina (DV 2). Caminhar para Deus é o nosso fim último. Três são as características da iniciação cristã:
63. a) Dimensão da Graça – benevolente e transformadora: em Cristo, somos cumulados de dons divinos. Com os sacramentos iniciáticos recebemos a graça santificante: Filhos do Pai, alimentados pelo Corpo de Cristo e ungidos pelo Espírito Santo.  
64. b) Dimensão eclesial – na e pela Igreja: a Igreja, corpo de Cristo, é a guardiã da Revelação (DV 10). Ela acolhe e orienta todos quantos desejam fazer este caminho de fé, coloca os fundamentos da fé e incorpora a Cristo os que estão sendo iniciados pelos sacramentos da iniciação. Portanto, as pessoas são iniciadas no mistério de Cristo e na vida da Igreja, não na devoção particular de qualquer pessoa ou grupo. Cada palavra e gesto deve ser feito em nome da Igreja.
65. Dimensão da Liberdade – decisão livre da pessoa: pela obediência da fé a pessoa entrega-se inteira e livremente a Deus (DV 5). O fracasso ou falta de perseverança no caminho deve-se, às vezes, à falta deste envolvimento total.
66. Dimensão Nucleica: Iniciação cristã é participação humana no diálogo da salvação, uma vida nova na natureza divina. Somos chamados a ter uma relação filial com Deus.

2.11. Uma visão de conjunto da vida cristã
67. A iniciação cristã, de modo amplo, está pautada a partir do conjunto da missão da Igreja e implica assumi-la como um processo longo e vital nos aspectos do mistério divino Revelado. Não se trata de aprender tudo, mas de ter um todo elementar.
68. Diga de passagem que todo esse processo deve nos remeter a um equilíbrio, isto é, a uma maturidade em Cristo.


[1] CEC 1149: “A Liturgia da Igreja pressupõe, integra e santifica elementos da criação e da cultura humana conferindo-lhes a dignidade de sinais da graça, da nova criação em Jesus Cristo”.
[2] Christus Dominus, n.14; Sacrossanctum Concilium, nn. 64-68; Ad Gentes, n.14.
[3] Cf. Joel 2,13

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