terça-feira, 1 de novembro de 2011

Mariologia social no Documento de Puebla


Por: Ir. Thiago Cristino, FMI
Estudante de Teologia  - ISB - Brasília



1.    Considerações iniciais:
Pela primeira vez a Igreja da América Latina na III CELAM (Puebla) expôs uma Mariologia ‘contextual’. O bloco mariológico está situado, sobretudo, nas seções 282-303, e forma um dos documentos regionais mais significativos do Magistério regional com respaldo positivo (receptio) da Igreja de Roma e outras Igrejas regionais, por isso faz autoridade em nível ‘Católica’.
Possui um princípio axial - método de confronto: Maria-Sociedade (foco social). Tal Magistério recente vem colaborar para enriquecer essa reflexão, haja vista que existem poucos documentos que enfocam especificamente o tema: a Marialis Cultus – MC – texto maior em termos de sociomariologia - de Paulo VI e cartas, encíclicas e homilias de João Paulo II.
Depois de 25 anos o Documento de Puebla (DP) ainda não foi superado. A sociomariologia em Puebla, como no Vaticano II é posta no quadro da eclesiologia, sob quatro eixos estruturantes: Maria e a cultura da Latino-americana, Maria e a Evangelização, Maria e a Mulher na América Latina e Maria e a libertação social do continente.
A concentração deste estudo será neste último tema, pois perpassa a ótica geral do trabalho. Além disso, objetiva-se destacar os elementos significativos dessa Mariologia social, ainda que estejam em estado germinativo, bem como articulá-los com os outros eixos.

2.    Maria: Mulher libertadora (DP, 297 e 333)

Este é o ponto mais pertinente: a imagem da Virgem é aqui derivada do Magnificat (cf. Lc 1,46-55), ‘espelho da alma de Maria’. Ponto culminante da espiritualidade dos anawim (os pobres de IAHWEH) e do profetismo da Primeira aliança. Assim o documento assume a linguagem soft de João Paulo II em detrimento da hard de Paulo VI com a MC: “Maria aparece precisamente como uma pessoa que intercede, e não, como na citação anterior, como mestra que instrui ou modelo que inspira” (BOFF, 2006, p. 101).

De Maria, que, em seu canto do Magníficat, proclama que a salvação de Deus tem muito mais a ver com a justiça para com os pobres, ‘parte também o compromisso autêntico com os outros homens, nossos irmãos, especialmente pelos mais pobres e necessitados e pela necessária transformação da sociedade” (DP, 1144)

Novidade:
- a proximidade de Maria com o tema da ‘transformação social’;
- a figura da Virgem se carrega de força propulsiva em ordem à ação política;
- ‘a poderosa intercessão de Maria permitirá superar as estruturas do pecado na vida pessoal e social’ (JPII).

3.    Maria: Mulher (pessoa) livre e ativa (DP, 293)

Tema fundamental, pois toca a liberdade da pessoa humana, premissa básica para qualquer trabalho social e condição de toda ação sociolibertadora. O texto retoma a crítica da MC, 37 em relação à imagem da Virgem ‘passiva’ e ‘alienada’, ao invés disso, o DP esboça uma imagem ‘ativa’ e ‘dinâmica’, enquanto ‘cooperadora ativa’ da Redenção. Desse modo, Maria torna-se, na linguagem de Puebla, ‘a grande protagonista da história’, entendida em dois planos.




PLANO SOBRENATURAL


História Salvífica


Salvação objetiva: através do Fiat (livre). O ‘SIM’ tornou possível a encarnação do Verbo e conseqüentemente a Redenção em Cristo.


Salvação subjetiva: através da sua intercessão materna, pois ‘Ela, gloriosa no céu, atua na terra’ (DP, 288)




PLANO NATURAL



História humana

- é personagem central na carreira histórica do Messias, seu Filho;
- é figura popularíssima seja porque seu exemplo impulsiona pessoas e coletividades a ‘fazer história’ ou ainda através de suas aparições.
- é ‘intercessora poderosa’ que muda o curso da História e ‘supera as estruturas do pecado’ (com suas aparições desenvolvimento).

4.    Maria: Mulher pobre e forte (DP, 302 – retoma MC 37, §2)

O DP não foi mais longe neste tema tão importante para a tradição Cristã e relevante para a América Latina e seu contexto de pobreza inumana. Havia, sim, um documento de trabalho enfocando a identificação com os pobres e de suas lutas com a pessoa de Maria, mas não foi aceito. ‘Assim – dizia o documento – os fieis da América Latina se identificam com ela em seu sofrimento e pobreza e em suas lutas contra as injustiças - n. 567’ (BOFF, 2006, p.103).

5.    Maria: Mulher da Encarnação (DP, 299, 301 e 303)

Esta ideia, embora em estado germinal, é bastante fecunda em relação ao problema social, quando reza: “Deus se fez carne por meio de Maria, começou a fazer parte de um povo... Sem Maria desencarna-se o Evangelho, desfigura-se e transforma-se em ideologia, em racionalismo espiritualista” (BOFF, 2006, p.104).

6.    Maria: Figura constitutiva da identidade da AL

O DP ressalta que a devoção a Maria além de ‘elemento qualificador e intrínseco do culto cristão’ (DP, 56), pertence à ‘identidade própria’ dos povos da AL (DP, 283). Tanto o é, que um católico só deixará de sê-lo no dia em que deixar de ser mariano. Por isso mesmo os Bispos da AL dão a ela títulos historicamente verdadeiros e pastoralmente estimulantes. Não obstante, no rosto mestiço da Morenita, contemplamos o ‘rosto materno e misericordioso’ do Pai e de Cristo (DP, 282).
Assim, Maria está intimamente ligada não somente à história desses povos, mas também à sua cultura e construção política. (Pensa-se aqui nos diversos títulos, frutos das aparições).

7.    Sentido antropológico e social dos dogmas marianos (DP, 298, 330, 333-334).
 (O DP oferece uma reflexão mais ampla na parte V)

O DP oferece sugestões originais para uma releitura antropológica e social dos dogmas marianos da Imaculada Conceição e da Assunção ao céu.

ASPCETO ANTROPOLÓGICO
(DO HOMEM E DO MUNDO)
Dimensão Protológica
(arché / primeira)
Dimensão Escatológica
(telos / última)
Imaculada Conceição

‘Rosto do novo homem’ que habita os céus e contempla a face de Deus.
Nossa Senhora da Glória (Assunção)

‘Manifestação e sentido do corpo’ e até da ‘criação material’ que desse modo começa a ter parte no corpo ressuscitado de Cristo.
ASPCETO SOCIOLÓGICO
(significação sociológica implicada nessa Antropologia)

Tanto o ícone da Imaculada como o da Assunta evocam e inspiram o respeito pela DIGNIDADE da Pessoa Humana e despertam para uma iniciativa histórica.
“MATER DEI”
*Perspectiva eclesiológica*

Igreja: ‘família de Deus’ (DP, 238-249)
Maria: mãe de família (DP, 285, 291, 295)
VIRGINDADE
Ainda é vago. Mas o DP (294) olha para esta realidade como sendo ‘fecundidade’ e ‘serviço’.

8.    Maria: A Mulher por excelência (DP 299) – A questão de gênero (FEMININO) é original em Puebla.
Os bispos declaram: “Maria é mulher! Ela é, como tal, expressão máxima da dignidade das filhas de Eva, enquanto o Criador as elevou, na Mãe de Deus, a ‘dimensões inimagináveis’. Maria é uma garantia para a grandeza da mulher” (DP, 299).
Assim, Maria e seu Filho são imagens ideais da mulher e do homem respectivamente, levam a promover a igualdade fundamental de ambos os sexos e ao mesmo tempo sua ‘diversidade’ (DP, 334). Ela é modelo de feminilidade, enquanto mostra a forma específica[1] do ser mulher.

9.    Excurso: Maria, ‘mulher síntese’ segundo Puebla?

MARIOLOGIA

No Magistério Universal: Marialis cultus, 37; Libertatis conscientiae, 97-98 e a Redemptoris mater, 37
No Documento de Puebla



Maria é colocada como sendo capaz de integrar em si mesma os aspectos da libertação cristã: soteriológica e ética-social, escatológica e histórica.


- Omite a ideia de Maria como ‘modelo inacabado’ de cristão;
- Entrevê um análogo papel sintetizador  da figura de Maria, operando em outros planos, como no da Cultura e da História em geral (encontro entre fé e história – evento guadalupano); ou no plano da Espiritualidade, segundo o qual Maria ensina a ‘conjugar’ contemplação adorante e ação evangelizadora (cf. DP, 294).

10.    Considerações finais

O Magistério pastoral, e seus diversos planos, oferece inegavelmente uma surpreendente riqueza de elementos em favor de uma Mariologia social, mesmo se são mais indicados do que desenvolvidos, por estarem ainda em estados germinais. Todavia, acresce e fomenta reflexões para que tais questões sejam sempre mais aprofundadas.

11.    Bibliografia básica

BOFF, Clodovis. Mariologia social: O significado da Virgem Maria para a sociedade. In.:___Mariologia social no Documento de Puebla. São Paulo: Paulus, 2006. pp. 99-109.



[1] Vocação de ser alma, dedicação que espiritualiza a carne e encarna o espírito.


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