Por: Ir. Thiago Cristino, FMI
Estudante de Teologia - ISB - Brasília
1.
Considerações
iniciais:
Pela primeira vez a Igreja da América
Latina na III CELAM (Puebla) expôs uma Mariologia ‘contextual’. O bloco
mariológico está situado, sobretudo, nas seções 282-303, e forma um dos
documentos regionais mais significativos do Magistério regional com respaldo positivo
(receptio) da Igreja de Roma e outras
Igrejas regionais, por isso faz autoridade em nível ‘Católica’.
Possui um princípio axial - método de
confronto: Maria-Sociedade (foco social).
Tal Magistério recente vem colaborar para enriquecer essa reflexão, haja vista
que existem poucos documentos que enfocam especificamente o tema: a Marialis Cultus – MC – texto maior em
termos de sociomariologia - de Paulo VI e cartas, encíclicas e homilias de João
Paulo II.
Depois de 25 anos o Documento de Puebla
(DP) ainda não foi superado. A sociomariologia em Puebla, como no Vaticano II é
posta no quadro da eclesiologia, sob quatro eixos estruturantes: Maria e a
cultura da Latino-americana, Maria e a Evangelização, Maria e a Mulher na
América Latina e Maria e a libertação social do continente.
A concentração deste estudo será neste
último tema, pois perpassa a ótica geral do trabalho. Além disso, objetiva-se
destacar os elementos significativos dessa Mariologia social, ainda que estejam
em estado germinativo, bem como articulá-los com os outros eixos.
2. Maria: Mulher libertadora (DP,
297 e 333)
Este
é o ponto mais pertinente: a imagem da Virgem é aqui derivada do Magnificat
(cf. Lc 1,46-55), ‘espelho da alma de Maria’. Ponto culminante da
espiritualidade dos anawim (os pobres
de IAHWEH) e do profetismo da Primeira aliança. Assim o documento assume a
linguagem soft de João Paulo II em
detrimento da hard de Paulo VI com a MC:
“Maria aparece precisamente como uma pessoa que intercede, e não, como na
citação anterior, como mestra que instrui ou modelo que inspira” (BOFF, 2006,
p. 101).
De Maria, que, em seu canto do
Magníficat, proclama que a salvação de Deus tem muito mais a ver com a justiça
para com os pobres, ‘parte também o compromisso autêntico com os outros homens,
nossos irmãos, especialmente pelos mais pobres e necessitados e pela necessária
transformação da sociedade” (DP, 1144)
Novidade:
-
a proximidade de Maria com o tema da ‘transformação social’;
-
a figura da Virgem se carrega de força propulsiva em ordem à ação política;
-
‘a poderosa intercessão de Maria permitirá superar as estruturas do pecado na
vida pessoal e social’ (JPII).
3. Maria: Mulher (pessoa) livre e
ativa (DP, 293)
Tema fundamental, pois toca a liberdade
da pessoa humana, premissa básica para qualquer trabalho social e condição de
toda ação sociolibertadora. O texto retoma a crítica da MC, 37 em relação à
imagem da Virgem ‘passiva’ e ‘alienada’, ao invés disso, o DP esboça uma imagem
‘ativa’ e ‘dinâmica’, enquanto ‘cooperadora ativa’ da Redenção. Desse modo,
Maria torna-se, na linguagem de Puebla, ‘a grande protagonista da história’,
entendida em dois planos.
PLANO SOBRENATURAL
História Salvífica
|
Salvação
objetiva: através do Fiat (livre).
O ‘SIM’ tornou possível a encarnação do Verbo e conseqüentemente a Redenção
em Cristo.
Salvação
subjetiva: através da sua intercessão materna, pois ‘Ela, gloriosa no céu,
atua na terra’ (DP, 288)
|
|
PLANO NATURAL
História humana
|
- é
personagem central na carreira histórica do Messias, seu Filho;
- é
figura popularíssima seja porque seu
exemplo impulsiona pessoas e coletividades a ‘fazer história’ ou ainda através de suas aparições.
- é
‘intercessora poderosa’ que muda o curso da História e ‘supera as
estruturas do pecado’ (com suas aparições desenvolvimento).
|
4.
Maria:
Mulher pobre e forte (DP, 302 – retoma MC 37, §2)
O DP não foi mais longe neste tema tão
importante para a tradição Cristã e relevante para a América Latina e seu
contexto de pobreza inumana. Havia, sim, um documento de trabalho enfocando a
identificação com os pobres e de suas lutas com a pessoa de Maria, mas não foi
aceito. ‘Assim – dizia o documento – os fieis da América Latina se identificam
com ela em seu sofrimento e pobreza e em suas lutas contra as injustiças - n.
567’ (BOFF, 2006, p.103).
5.
Maria:
Mulher da Encarnação (DP, 299, 301 e 303)
Esta ideia, embora em estado germinal, é
bastante fecunda em relação ao problema social, quando reza: “Deus se fez carne
por meio de Maria, começou a fazer parte de um povo... Sem Maria desencarna-se
o Evangelho, desfigura-se e transforma-se em ideologia, em racionalismo
espiritualista” (BOFF, 2006, p.104).
6. Maria: Figura constitutiva da
identidade da AL
O
DP ressalta que a devoção a Maria além de ‘elemento qualificador e intrínseco
do culto cristão’ (DP, 56), pertence à ‘identidade própria’ dos povos da AL
(DP, 283). Tanto o é, que um católico só deixará de sê-lo no dia em que deixar
de ser mariano. Por isso mesmo os Bispos da AL dão a ela títulos historicamente verdadeiros e pastoralmente
estimulantes. Não obstante, no rosto mestiço da Morenita, contemplamos o ‘rosto materno e misericordioso’ do Pai e
de Cristo (DP, 282).
Assim,
Maria está intimamente ligada não somente à história desses povos, mas também à
sua cultura e construção política. (Pensa-se
aqui nos diversos títulos, frutos das aparições).
7. Sentido antropológico e social dos
dogmas marianos (DP, 298, 330, 333-334).
(O DP oferece uma reflexão mais ampla na parte
V)
O DP oferece sugestões originais para
uma releitura antropológica e social dos dogmas marianos da Imaculada Conceição
e da Assunção ao céu.
ASPCETO
ANTROPOLÓGICO
(DO
HOMEM E DO MUNDO)
Dimensão Protológica
(arché / primeira)
|
Dimensão Escatológica
(telos / última)
|
Imaculada
Conceição
‘Rosto do novo homem’ que habita os céus e contempla a face de Deus.
|
Nossa
Senhora da Glória (Assunção)
‘Manifestação
e sentido do corpo’ e até da ‘criação material’ que desse modo começa a ter
parte no corpo ressuscitado de Cristo.
|
ASPCETO SOCIOLÓGICO
(significação sociológica implicada nessa
Antropologia)
|
Tanto o ícone da Imaculada como o da Assunta evocam e inspiram o
respeito pela DIGNIDADE da Pessoa Humana e despertam para uma iniciativa
histórica.
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“MATER DEI”
*Perspectiva
eclesiológica*
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Igreja: ‘família de Deus’ (DP, 238-249)
Maria: mãe de família (DP, 285, 291, 295)
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VIRGINDADE
|
Ainda é vago. Mas o DP (294) olha para esta realidade como sendo ‘fecundidade’
e ‘serviço’.
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8. Maria: A Mulher por excelência (DP
299) – A questão de gênero (FEMININO) é original em Puebla.
Os
bispos declaram: “Maria é mulher! Ela é, como tal, expressão máxima da
dignidade das filhas de Eva, enquanto o Criador as elevou, na Mãe de Deus, a
‘dimensões inimagináveis’. Maria é uma garantia para a grandeza da mulher” (DP,
299).
Assim,
Maria e seu Filho são imagens ideais da mulher e do homem respectivamente,
levam a promover a igualdade fundamental de ambos os sexos e ao mesmo tempo sua
‘diversidade’ (DP, 334). Ela é modelo de feminilidade, enquanto mostra a forma específica[1] do ser mulher.
9. Excurso: Maria, ‘mulher síntese’
segundo Puebla?
MARIOLOGIA
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No Magistério Universal: Marialis
cultus, 37; Libertatis conscientiae, 97-98 e a Redemptoris mater, 37
|
No Documento de Puebla
|
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Maria é colocada como sendo capaz de
integrar em si mesma os aspectos da libertação cristã: soteriológica e
ética-social, escatológica e histórica.
|
- Omite a ideia de Maria como ‘modelo inacabado’ de
cristão;
- Entrevê um
análogo papel sintetizador da
figura de Maria, operando em outros planos, como no da Cultura e da História em geral (encontro entre fé e história –
evento guadalupano); ou no plano da Espiritualidade,
segundo o qual Maria ensina a ‘conjugar’ contemplação adorante e ação
evangelizadora (cf. DP, 294).
|
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10. Considerações finais
O
Magistério pastoral, e seus diversos planos, oferece inegavelmente uma
surpreendente riqueza de elementos em favor de uma Mariologia social, mesmo se
são mais indicados do que desenvolvidos, por estarem ainda em estados
germinais. Todavia, acresce e fomenta reflexões para que tais questões sejam
sempre mais aprofundadas.
11. Bibliografia básica
BOFF,
Clodovis. Mariologia social: O
significado da Virgem Maria para a sociedade. In.:___Mariologia social no Documento de Puebla. São Paulo: Paulus,
2006. pp. 99-109.
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