Por: Ir. Thiago Cristino,
FMI - Pavonianos
Estudante de Teologia
Instituto São Boaventura
Franciscanos Conventuais
CONTEXTO HISTÓRICO
A Obra Histórica Deuteronomista (OHD) foi apresentada pela primeira vez por Martin Noth, em 1942, e segundo ele o historiador deuteronomista compôs a sua Obra na Palestina do século VI a.C. utilizando-se de numerosas tradições ou fontes antigas. Tal Obra interpretou a história de Israel (quase 700 anos: desde a entrada em Canaã – 1.230/1.200 a.C – até a queda do Reino do Sul (Jerusalém) com o exílio da Babilônia – 586/538 –, com base numa Teologia (espírito) deuteronomista: Aliança (Promessa), Pecado, Castigo, Clamor, Salvação (Rest. da Aliança). Fala-se, portanto, do passado não para documentar, mas para compreender a longa série de acontecimentos que conduziu à catástrofe do exílio.
A OHD é o conjunto dos Livros Históricos, conhecidos na Bíblia judaica com o nome de “Profetas Anteriores”, seu enfoque é a comunidade javista, que sob a orientação dos profetas, enfrentava o desafio da aculturação[1] em Canaã. São eles:
Josué
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Juízes
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1-2 Samuel
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1-2 Reis
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(1220)
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(1200)
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(1040)
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Saul - 1030
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Davi[2] - 1010
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Salomão - 970
(Construção do templo)
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Divisão do Reino de Israel (931) - 1 Rs 12, 1ss
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Jeroboão (chefe do exército)
Reino do Norte
Capital: Samaria
- Israel -
Queda: 721
Muitos foram refugiar-se no Reino do Sul, dentre os quais vemos os profetas Oséias e Amós. Estes veem repetir-se os mesmos acontecimentos em Israel tentam alertá-los acerca da ALIANÇA, porém conseguem apenas retardar o processo do exílio que logo chegaria.
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II metade do reinado de Salomão: Roboão (filho de Salomão)
Reino do Sul
Capital: Jerusalém
- Judá -
Queda: 587
Rei Josias (640-609)
2 Rs 22,3 (no 18º ano de Josias) 640-18=622, Reforma Religiosa
(2 Rs 23, 25), fiel à Aliança que Deus fez a Moisés. Sem êxito, o exílio aconteceu.
Todavia serviu para enfocar a mentalidade deuteronomista: fidelidade à ALIANÇA.
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Existem também os “Profetas Posteriores”, que são os oráculos dos profetas que colecionamos sob o nome de “Livros Proféticos”. O profeta não é senão aquele que interpreta a história à Luz da Teologia (espírito) deuteronomista, que nasce com Amós e Oséias[3]; homem extremamente sensitivo.
Todos os acontecimentos escritos não são meras narrações da história, mas uma interpretação da história a partir da Promessa (Terra, Casa: Templo; Descendência numerosa) do Deus de Israel e sua finalidade é comunicar uma ESPERANÇA n tempo do exílio (descrença).
Historiografias Bíblicas:
A historiografia antiga é uma história orientada. Ela faz sua seleção entre tradições e relê os fatos do passado a partir delas, em função dos problemas presentes do povo. São várias as tradições que têm sua influência nas Sagradas Escrituras.
O editor dos Livros Sagrados não ignora nenhuma das demais tradições, ainda as que não condizem com seu pensamento, mas ao contrário, as conserva, tal e qual recebeu o que podemos explicar os inúmeros fatos repetidos, mas relidos com ‘óculos’ diferentes, o que nos dá outra visão. Neste sentido as diferentes leituras não são um empecilho, mas uma riqueza, pois cada qual quer comunicar a sua mensagem.
Para H. CAZELLES, no seu livro: “História política em Israel”, existem quatro tipos principais de historiografia bíblica: javista, profética, sacerdotal e deuteronomista. Por conta do nosso tema nos deteremos na historiografia profética.
· Profética: Provavelmente redigida no Reino do Norte e nos seus ambientes proféticos. A salvação vem da perseverança na fidelidade[4] aos costumes pré-monárquicos, na ALIANÇA, alicerçada em IHWH por ser Seu POVO. A Monarquia não é um absoluto em si e, portanto, não pode esquecer-se de Deus. Esses costumes foram conservados nos santuários levíticos (Siquém, Guilgal, Betel, Dã).
Nos profetas se apalpa o processo revelador em ação. Tais palavras proferidas proporcionam uma ‘imediatez’ no contato com Deus. É neles que se forjou definitivamente a concepção da revelação como “palavra de Deus”. Profecia: sobrenaturalismo radical – algo feito e acabado ‘oráculo’; racionalismo psicologizante – reflexão e sensibilidade do gênio religioso e ainda um terceiro aspecto que é mais uma junção dos dois – intui o sobrenatural na sensibilidade do gênio religioso.
Os profetas têm a palavra interiorizada (que evoca a fidelidade à Aliança), pois Deus se encarna na palavra humana a partir de dentro (Ezequiel: comer e assimilar o rolo... ruminar a palavra). Também aqui vemos que a personalidade e ideologias (sonhos) influem na sua mensagem. A revelação divina acontece também no drama pessoal do profeta, na dimensão mais íntima do humano: Oséias que tinha uma mulher ‘prostituída’, pois participava de cultos Cananeus. Apaixonado por sua mulher vê exasperado que volta e meia ela reincide no erro. Todavia experimenta o amor e o perdão. Diante desse acontecimento pessoal (humano) faz-se a associação com relação a Iahweh e Israel. Falsos profetas, como distingui-los? Tais palavras devem descobrir a ação reveladora de Deus na espessura da experiência humana e no esforço do profeta por interpretá-la e trazê-la à palavra. Não aparece como caída do céu, mas como emergido à superfície da consciência a partir da profundidade do encontro com o Senhor (processo lento). O que diferenciava o verdadeiro do falso profeta era a relação que estes tinham com a (ruah) e a (dabar), isto é, falar pelo Espírito e falar por falar (apenas palavras).
Características:
Começa com o Livro de Josué que narra a entrada e a conquista da terra prometida e termina com a queda do reino do Sul no ano 587 (IIRs 25,27) nesta passagem o último acontecimento data do ano 560 = o que se pode concluir que o escritor do Livro está situado na época do exílio, o que vale lembrar a destruição do Templo e de Jerusalém e a perda da terra e consequentemente da promessa que Iahweh fizera ao povo de Israel.
Busca pela identidade (povo Eleito de Iahweh), que inicia com ABRAHAM no relato do Gn 12,1-2: “Sai da tua terra e vai para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome”[5]. Neste momento os israelitas se questionam acerca das circunstâncias se tudo está acabado, isto é, se não existe mais Aliança que outrora o Senhor fizera com seu povo. Todavia os profetas farão durante o exílio e pós-exílio uma releitura da história à luz da Promessa de Iahweh. O autor, mesmo neste contexto, ressalta a ESPERANÇA do Deutero-Isaías.
A ALIANÇA faz referência à época do Êxodo. Ali Israel escolheu servir a um único Deus, IHWH. Aquela saída foi a “carta de liberdade” que IHWH ofereceu ao seu povo quando era escravo no Egito é Sua marca, que lhe dá identidade própria, diferentemente dos outros povos que estão à deriva. Israel é o protegido (primogênito) de IHWH, que fez sair do Egito com braço forte (Ex 20,2; Dt 5,6). Tais feitos de IHWH são relembrados através de ações litúrgicas (rito festivo) celebrado de geração em geração a Ação de Deus na história, “de Abraão, Isaac e Jacó”. Pesah e Pentecostes[6].
Neste sentido devemos considerar que existe um efeito de ‘onda’ com momentos altos (Davi e Salomão) e baixos (pecados do povo) a ponto de podermos avaliar que a infidelidade do povo lhe custou a terra com que tanto sonhava. O pecado/fragilidade (idolatria) de Israel leva a ruínas. O que pode assegurar a Aliança (Promessa) é a fidelidade humana.
Todos esses livros são compostos numa obra só, dentro de uma unidade literária, isto é, representa uma única linha de pensamento (deuteronomista), o que garante essa unidade. Esses escritos recordam sempre a ALIANÇA, por isso deve-se ter em mente toda a história do povo de Israel para entender o estágio em que eles se encontram: o exílio.
Em seu relato o autor realçou propositadamente o papel dos profetas. Era preciso ressaltar que IHWH, na sua paciência e no seu amor, não omitiu nada que pudesse desviar Israel do abismo. Se Israel nele precipitou, foi por culpa própria. A Infidelidade de Israel levou à concretização das maldições de (Dt 28) e da ameaça contida em Dt 30,17-18, pois ao homem colocado diante de IHWH compete uma escolha decisiva: a vida ou a morte (Dt 30,15-20), “escolhe, pois, a vida”. Ele cumpre as bênçãos (Dt 28,1-14) e as maldições (Dt 28,15-46).
OSÉIAS, O PROFETA
O nome Oséias significa “Libertador” ou “Salvador” e é o autor do livro que leva seu próprio nome. Já no primeiro versículo do primeiro capítulo temos que ele foi profeta em Israel durante os reinados de Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, reis de Judá; e de Jeroboão até o fim, rei de Israel. Oséias era contemporâneo dos profetas Amós, Isaías e Miquéias. 785 – 722 a. C. Oséias foi um profeta também do reino do Norte, sob Jeroboão II (783-743 a.C.). Esse rei conseguiu grande prosperidade para Israel, mas com graves desigualdades sociais, luxo, exploração e corrupção. Era uma riqueza de poucos e injusta na sua obtenção. Com a morte do rei, Israel começou a entrar em decadência; tudo terminou com a queda do reino do Norte em 721 a.C. o profeta Oséias talvez tenha presenciado a queda de Samaria, capital de Israel, pois como é mencionado em 1,1, profetizou sob Ezequias de Judá (716-687 a.C).
Observe os males que Oséias lamentou e denunciou: perjúrio e mentira (4,1-2); assassíno, roubo e derramamento de sangue (4,2; 5,2; 6,8); gangues de assaltantes e sacerdotes assassinos (6,9; 7,1); adultério (4,2); perversão, fraude e falsidade (10,4; 12,7); idolatria, (7, 13-16; 10,1); embriaguez (4,11; 7,5); descuido total de Deus (4,4; 8,14); os reis não-teocráticos (1,3-5; 2,2; 4,1–9,9), os sacerdotes extorcivos e ignorantes (4,4; 6,9)[7].
A PERÍCOPE – Os 2, 1-25: Iahweh e sua esposa infiel
· Temáticas
Promessa da descendência= v.1; monarquia= v.2; divórcio (mediante a traição) e ‘castigo’ pelo pecado = vv.4-15; tradição - ‘voltar ao deserto’= vv.16-17; arrependimento e regresso ao Marido= v.18-19; renovação da aliança entre Deus e seu povo – “Tu és meu povo – Meu Deus” = vv. 21-25.
· Teologia
Nos interressa neste estudo a primeira parte do profeta Oséias (Os 1–3, especificamente 2, 1-25).
O profeta se refere a Iahweh “ora como pai de Israel, quando se trata do passado (11, 1ss; 1, 19), ora como seu esposo, quando se trata do presente e do futuro”[8]. A imagem que traduz a ideia de aliança (6,7) que, baseada na tradição da teologia profética[9], considera uma obra comum entre Deus e seu povo.
Sua mensagem não se atém somente aos oráculos, mas é um partir da sua própria vida que nos ensinou um ensinamento simbólico, isto é, vivendo a traição em sua própria casa, o profeta fala de Deus que resgata seu povo da escravidão do mal, mesmo que este não corresponda ao amor que o Senhor lhe oferecia (4). Ele teria podido dizer mais tarde como Isaías: “Eis que eu e os filhos que Deus me deu, somos sinais e presságios em Israel” (Is 8, 18)[10].
Oséias casou-se com Gomer (que significa “falhando”), uma mulher leviana e infiel. Depois de um tempo, ela traiu seu marido e, por fim, o abandonou, mas acabou na escravidão. Não obstante, o profeta foi atrás de sua esposa e a resgatou, trazendo-a para sa casa. Na interpretação do profeta, Israel é como sua esposa: infiel e ingrata com seu esposo, que é o próprio Deus, mas este sempre procura seu poco para salvá-lo.
Sua vida conjugal é contada num duplo relato: a) o primeiro nos ensina que, casado por ordem de Deus, com uma ‘mulher de prostituições’, dela teve três filhos que recebem nomes simbólicos (1): em ordem Jezrael, que significa “espalhado por Deus”. Lo-Ruhamah que significa “desfavorecida”, “não amada”, ou “aquela que jamais conheceu o amor de um pai” (é duvidoso que era a filha de Oséias) e Lo-Ammi que significa “não são meu povo” (não é meu parente. Esta sem dúvida não foi filha dele); b) o segundo nos conta que ele se consorciou com uma mulher perdida, impôs-lhe uma prova, depois viveu com ela no amor (3)[11]. Tudo isso descreve perfeitamente a condição de Israel espiritualmente. Deve notar a comparação que Deus dá de Israel e da mulher infiel ao seu marido (2,1-6). Mas, também depois dá a promessa da restauração de Israel futuramente pela sua graça. (1,10-11, 2,14–3,5).
Além disso sua mensagem nas entrelinhas trás um sentimento de nostalgia, bem fundamentada na história de Israel, sobretudo com a ruptura de uma tradição (tribal), povo peregrino, ‘dias da juventude’ (2,17) e dos dias da aliança (13,5) em contato com as civilizações materialistas Israel esqueceu de Iahweh. Também Iahweh o quer reconduzir ao deserto e falar-lhe ao coração (2,16). O hábito que tem Oséias de apelar para a velha história e suas referências implícitas ao dilúvio (4,2; 12,10; 13,4) mostram a direção do seu pensamento. O deserto é ao mesmo tempo lugar de castigo e da provação (2,5) e o lugar de união entre Iahweh e seu povo (2,16). O tema serve, portanto para sublinhar que o sofrimento é purificador e iniciador[12].
CONSIDERAÇÃO FINAL
Oséias esperava um futuro muito melhor, que chegaria depois do processo de conversão e purificação do povo. Deus iria tirar da esposa infiel tudo o que a impedia de ser fiel. Mediante está perspectiva de futuro, o profeta apresenta soluções muito ousadas: o povo, para se purificar, deveria viver por muito tempo, sem príncipe, sem sacrifício, sem estelas, sem imagens e amuletos (3,4). A monarquia e o culto teriam que desaparecer por muitos anos. As ambições políticas e as intrigas do palácio eram para ele as causas da opressão. Então, concluía que a resolução de todos os problemas viria mais do ser humano do que de Deus (cf. FARIA, 2006, p. 57)
BIBLIOGRAFIA
BRIGHT, John. História de Israel. 8ed. São Paulo: Paulus, 2003. pp. 349-356.
FARIA, Jacir de Freitas. Profetas e profetisas na Bíblia: história e teologia profética na denúncia, solução, esperança, perdão e nova aliança. São Paulo: Paulinas, 2006, pp. 42-84. (Coleção Bíblia em comunidade: Série teologias bíblicas, v.5)
MANUCCI, Valério. Bíblia Palavra de Deus: curso de introdução à Sagrada Escritura. São Paulo: Paulinas, 1986. pp. 75-133.
ROBERT, A; FEUILLET, A. (orgs.). Introdução à Bíblia: Antigo Testamento, os livros proféticos posteriores. São Paulo: Herder, 1967. pp. 23-33.
ROSA, Dirlei Abercio da. Projeto do Pai: roteiro para estudo do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2010. pp. 83-98.
[1] Fenômeno pelo qual um grupo de indivíduos duma cultura definida entra em contacto com uma cultura diferente.
[2] Antes de Davi, Israel era uma confederação de tribos, o que as unia era a crença num Antepassado comum (Abraham, Isaac, Jacó). Com Davi, Israel torne-se NAÇÃO.
[3] Em Os 1,2s, Israel é retratado como a mulher prostituta que Oséias deve se casar, na tentativa de convertê-la. Foi além da Lei de Moisés.
[5] Com este relato tentam explicar o porquê da posse daquela Terra, que é entendida como DOM de Deus (Js 1,2-5). Abraham é o início do povo de Israel, enquanto que ’Adam é o início da humanidade. É com Josué que os israelitas conseguirão entrar e tomar posse da Terra, todavia uma ‘numerosa Nação’ só será realizada com o reinado de Davi.
[6] Pesah, festa central dos Israelitas: Ela desenvolveu-se a partir de duas festas pré-Israelitas: Festa da Primavera dos nômades (partida para novas pastagens, com o abate de um animal pequeno para uma refeição comunitária) Festa da Colheita dos agricultores de Canaã (pães ázimos, cozido com cereais da nova colheita). Em Israel foi relacionada com o evento do êxodo.
[8] cf. ROBERT; FEUILLET, 1967, p. 32.
[9] Teologia Profética (H): lei de santidade – síntese das duas teologias. A Aliança é Bilateral e Condicionada, todavia sempre vale a aliança unilateral como nos patriarcas. (Lv 26,41-42.44: “eles pecarão, os castigarei, mas permanecerei firme à Aliança feita a Abraão, Isaac e Jacó, e não os rejeitarei”); a santidade é obrigatória: D: eleição e P: qualidade do sacerdócio. Em H Israel é santo por causa da experiência do êxodo e permanecerá se observar as leis de pureza; H une os aspectos da Graça e da Lei: a santidade depende da fidelidade à Lei divina. Liturgia de expiação, pois permite ao povo reconciliar-se com IHWH e assim superar as crises da sua história causadas por sua infidelidade.
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