Por: Ir. Thiago Cristino, FMI
Estudante de Teologia - ISB/Brasília
A
Carta Encíclica de João Paulo II começa por apontar Jesus como sendo a “luz
verdadeira que a todo homem ilumina” (cf. Jo 1,9) e que faz dos homens “filhos
da luz” (cf. Ef 5,8). Por conta do pecado o homem desvia o olhar desta luz em
detrimento da escuridão. Todavia, tal pecado não pode eliminar por completo a
luz de Deus no homem. Tal expressão disso é a busca dele pelo sentido da vida e
pela Verdade do conhecimento. O progresso científico é um triunfo da
inteligência do homem, porém também ela necessita de pôr-se as questões
religiosas últimas, mas antes, as do coração e da consciência moral.
O
que fazer? Como discernir? São perguntas fundamentais, cuja resposta está em
Jesus Cristo, ‘que revela ao homem o próprio homem’ (cf. GS, 22). Jesus, ‘luz
dos povos – Lumen Gentium’, ilumina a
sua Igreja, que, por mandato dele (cf. Mc 16,15), permanece atenta aos novos
desafios da história e oferece a todos a resposta que povém da Verdade de Jesus
e do seu Evangelho.
A
partir desta dinâmica de luz e trevas, os Pastores da Igreja, em comunhão com
consigo e com os demais fiéis, enfrentam as questões que inferem diretamente na
instância moral, que atinge e compromete em profundidade cada homem; estão
solidários neste esforço e reconhecem que a conduta do homem o conduz para a
salvação (fé e moral estão intimamente unidas). Por isso o texto é uma proposta
de reflexão sobre questões fundametais do ensinamento da teologia moral da
Igreja relativo aos múltiplos e diferentes âmbitos da vida humana. Além disso,
é um documento maduro que pauta sua reflexão sobre a vida apresentada dignamente
no evangelho de Cristo (cf. Fl 1,27).
Dividida
em três capítulos – dentre os quais nos deteremos no primeiro e pouca mais da
metade do segundo – a Carta inicia fundamenta sua dissertação no diálogo de
Jesus com um jovem rico que, piedoso e legítimo observador dos mandamentos,
procura saber do divino Mestre, como conseguir a vida eterna. Ao final do
colóquio Jesus oferece uma amarga e exigente resposta que o deixa triste.
O
diálogo de Jesus com o jovem é um ensinamento moral que reflete sobre valores –
um só é bom – contidos tanto nos mandamentos do decálogo, como nos seus, bem
como na sua prática. O jovem sem nome abre margem para ser reconhecido nele
todos os homens que se aproximam de Cristo e lhe coloca uma questão moral. Isso
indica que Jesus torna-se o fundamento que sustenta ou não a moral. Este encontro com Cristo é mediado pela sua
Igreja. Ao fazer a pergunta o interlecutor de Jesus intui que existe um nexo
entre o bem moral e a vida eterna (moral e salvação). Urge que o homem de hoje
volte-se para Jesus a fim de obter dele a resposta acerca do bem e do mal, se
se quer adentrar no âmago da moral evangélica.
Tais
respostas só podem ser encontradas ao dirigir mente e coração para aquele que é
o Sumo Bem, Deus (cf. Mc 10,18; Lc 18,19), por isso só Ele pode responder à
questão acerca do bem. Interrogar-se pelo bem, significa buscar o próprio Deus.
Jesus reconduz a questão da ação moralmente boa às suas raízes religiosas. Sendo
assim, o homem embebido da luz da verdade de Cristo, deve ser reflexo e irradiar
para os demais a mesma Luz que o iluminou. Jesus é o modelo do agir moral,
resposta de vida às iniciativas gratuitas que o amor de Deus multiplica em
favor do homem. Este, por sua vez, é chamado a refletir a sua glória, nos seus
atos.
Reconhecer
que ‘um só é bom’ significa salvaguardar Deus como núcleo fundamental e coração
da Lei, pois ‘o termo (plenitude) da Lei é Cristo’ – plenitudo legis in Christo est (cf. Rm 10,4). A pertença do povo é
manifestada pela moral permeada no Decálogo, cuja centralidade foi apontada por
Cristo: o amor a Deus e ao próximo, como ratificação da dignidade de Deus e da
pessoa. Tais mandamentos estão unidos a uma promessa: da terra e do ‘reino dos
céus’ (vida eterna).
Todo
este caminho desencadeará na sequela
Christi, a convite do próprio Cristo que chama a seguí-lo, a conformar sua
vida, o quanto possível à Vida do Divino Mestre Jesus. Aderir à própria pessoa
de Cristo é o fundamento essencial e original da moral cristã.
As
exigências para seguir a Cristo, na conclusão, do colóquio superam as
aspirações forças humanas. Todavia, para Deus nada é impossível. A superação e
fidelidade é graça, é dom, cujo fruto é expresso na caridade. Ao apoiar-se num
‘princípio’, Jesus resgata o valor original e autêntico do celibato pelo Reino.
O amor precede a observância (da lei), no dizer de Santo Agostinho. Só se pode ‘permanecer’ (por graça) no amor com a
condição de observar os mandamentos (cf. Jo 15, 10).
Todavia,
por mais que nos empenhemos nesta busca, tendo como parâmetro Cristo, a
percepção é que falta alguma coisa, pois cumprir a Lei por ela mesma não é
suficiente, mas sim, interiorizá-la no coração e manifestá-la por atos o amor
solícito que tutela e promove a vida.
Isto
posto, num segundo momento, o Papa conduz o leitor a refletir precisamente
sobre as questões morais hodiernas, bem como as várias tendências e teorias, focando
a posição do Magistério que, pela mesma fidelidade a Cristo e mediante sua
autoridade, tem o dever de oferecer a própria reflexão e ensinamento a fim de
ajudar o homem na busca da verdade e da liberdade, enunciando princípios para o
discernimento daquilo que é contrário à ‘sã doutrina’, ou seja, refletir sobre
os fundamentos dos quais dependem as respostas para as perguntas relacionadas
ao próprio homem, o pecado, a vida eterna, a liberdade, o sofrimento, a
felicidade, o gosto pela observação empírica, os processos de objetivação
científica, o progresso técnico, algumas formas de liberalismo, dentre outras.
A
seguir pontuaremos algumas ideias-chave em quatro grandes blocos.
- Liberdade: Um dos problemas mais cruciais da atualidade. Para alguns ela consiste na licença de fazer seja o que for mesmo o mal, contanto que agrade, ou seja, está impregnada de uma influência de correntes sujetivistas e individualistas. Para outros, porém, a liberdade é sinal da imagem divina no homem. O desafio é encarar a liberdade como atitude responsável não fundado na coação, mas na consciência do dever. A decisão de decidir entre o bem e o mal é somente de Deus. O homem, exercendo a sua Liberdade pode reconhecer e acolher a Lei de Deus. Portanto a Lei não diminui, mas promove a garante a Liberdade do homem. Neste sentido, pela razão – particularmente aquela iluminada pela Revelação divina e pela fé – o homem tem a capacidade de fazer o devido discernimento entre o bem e o mal.
- Autonomia: Permanecer na obediência a Deus é permanecer no caminho da verdade e do bem. Uma autonomia que não dependa de Deus e que use das criaturas sem se ordenar ao Criador, certamente é um falso conceito. A Lei moral provém de Deus e Nele encontra sempre a sua fonte. Pensar ao contrário é considerar as leis como sendo puramente humanas, apelando para a soberania da razão. Todavia, a verdadeira autonomia moral do homem consiste no acolhimento da lei moral, do mandamento de Deus. Neste contexto, se situa a lei natural como expressão humana da lei eterna de Deus, que está ‘esculpida e escrita no coração de todos e de cada um dos homens’ (cf. Rm 2,15). Ela refere-se à natureza própria e original do ser humano, à natureza da pessoa humana, que é pessoa mesma na unidade de alma e corpo, unidade das suas inclinações tanto de ordem espiritual como biológica, e de todas as outras características específicas. Graças à verdade revelada a lei natural implica a universalidade. Esta universalidade não prescinde da individualidade dos seres humanos e nem se opõe à unicidade e irrepetibilidade de cada pessoa, mas abraça pela raiz cada um dos seus atos livres que devem atestar a universalidade do verdadeiro bem (semper et pro semper).
- Fisicismo e naturalismo: contrapõem-se à lei natural e apresentam como leis morais somente as leis biológicas. Sendo assim alguns comportamentos dos homens são considerados permanentes se imutáveis o que numa visão fatalista tal pensamento coloca-se como norma moral universal válida. Ora, segundo o parecer destes teólogos baseados nesta concepção, a avaliação moralmente negativa de tais atos, a saber: a contracepção, a esterilização direta, a masturbação, as relações pré-matrimoniais, as relações homossexuais, como também a fecundação artificial, etc, não teria em suficiente consideração o caráter racional e livre do homem, nem o condicionamento cultural de cada norma moral. Para eles o homem como ser racional deve decidir livremente o sentido dos seus comportamentos. Mediante esta interpretação convém considerar a reta relação existente entre liberdade e natureza humana e particularmente o lugar que ocupa o corpo humano nas questões da lei natural. Uma liberdade absoluta considera o corpo como dado bruto, desprovido de significados e valores, materialmente necessários para a opção da liberdade, mas extrínsecos à pessoa, ao sujeito e ao ato humano. Tal concepção reduz e termina por causar uma quebra do homem, haja vista que o próprio conceite de pessoa (integrada) exige considerar corpo e alma.
- A consciência: a relação entre Liberdade e Lei tem sua sede na Consciência, que na linguagem do Concílio Vaticano II é este o ‘lugar secretíssimo e sacrário do homem’ (cf. LG, 16) que o homem descobre a Lei que não impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; a voz que sempre chama ao amor do bem e fuga do mal. Por isso o modo como se concebe a relação entre Liberdade e Lei está ligado intimamente à interpretação que se atribui à consciência moral. Neste sentido uma exaltação da liberdade conduz a uma interpretação criativa (que maqueia) da consciência moral, o que gera inúmeros conflitos de conciência nos fiéis. Ela põe o homem perante a Lei e torna-se para ele testemunha da sua fidelidade ou infidelidade; é por assim dizer, um juízo prático que dita aquilo que o homem deve fazer ou evitar, ou então avalia um ato realizado por ele; formula uma obrigação moral à luz da lei natural. Todavia a Consciência não está isenta de erro, não é um juiz infalível, daí a necessidade do exercício de busca pela verdade que liberta e salva da ignorância (ao menos a vencível). Formar consciência é torná-la objeto de contínua conversão à verdade e ao bem.
Portanto, o convite do Papa é buscar a verdade 'no princípio' e dentro de nós mesmos (metafísica da interioridade de Santo Agostinho), isto é, naquilo que fundamenta a experiência do homem na sua origem e que tem sua plenitude em Cristo Jesus, homem como nós e "pautar a nossa vida à Vida do Divino Mestre, Jesus, o quanto possível" (Beato Pe. Ludovico Pavoni).
Nenhum comentário:
Postar um comentário